sexta-feira, 10 de julho de 2009

Tratando doentes e não doenças

O entendimento dos conceitos de saúde e doença na Medicina Tradicional Chinesa é, no mínimo, interessante. A doença para nós sempre foi vista como algo que nos acometeu de repente, geralmente alguma coisa que veio “de fora”, totalmente independente da nossa vida cotidiana e da nossa vontade. Falando francamente, a doença ou qualquer sintoma nos vem como um obstáculo à nossa vida normal, ou seja, um estorvo, que deve ser eliminado o mais rápido possível para que então possamos voltar a fazer as mesmas coisas de antes.
”Quanto engano!”, nos diriam os sábios chineses antigos. Para eles, qualquer tipo de sintoma nos vem como um alerta, um aviso, um verdadeiro “amigo” que nos sopra ao ouvido que há alguma coisa errada em nosso ser total. Então, ao invés de simplesmente eliminá-lo, é preciso ouvir o que ele tem a nos dizer.

Sintomas: reflexos na superfície
Por que, diante de condições iguais, por exemplo uma exposição a um tempo frio, algumas pessoas começam a ficar com sintomas desagradáveis e outras não? E por que os sintomas mudam de uma pessoa para outra, se elas estiveram sujeitas às mesmas condições ambientais? A resposta para esta questão está na resistência que a pessoa é capaz de impor à situação. A energia, o equilíbrio das funções internas é diferente de uma pessoa para outra, e uma vez que este equilíbrio seja rompido ou abalado, aí sim começam a aparecer os sintomas: uma tosse, uma dor na cabeça, calafrios, etc. Estes sintomas são diferentes de indivíduo para indivíduo... cada um tem suas armas para lutar, cada um tem seus próprios pontos fracos.
Os sintomas são um reflexo do organismo, da defesa energética, na tentativa de recuperar o balanço. Sinalizam sempre um desequilíbrio energético de base, mais profundo. Sintomas intensos nem sempre são ruins, eles podem representar a resposta de uma defesa interna forte, de uma luta na tentativa de expulsar os agentes patogênicos do corpo, que em medicina chinesa chamamos de “frio”, “calor”, “umidade”, “vento”, “segura” (diferentes qualidades de energia). Sintomas débeis podem indicar tanto um desequilíbrio não muito importante, como por outro lado podem estar indicando que o corpo está perdendo a capacidade de recuperar o equilíbrio perdido.

Comunhão com o todo
O ser humano está inserido no meio ambiente e responde às leis do Céu e da Terra. Portanto, necessita de constante adaptação. Não há como viver imune, isolado das energias externas que incidem sobre nós. Mas há como aprender a sustentar o equilíbrio interno para que a capacidade de resistência às constantes mudanças do meio fique eficiente.
Este raciocínio serve não só para os sintomas físicos, mas também os psicológicos. Não é possível viver à parte das inúmeras situações que nos geram angústia, desconforto, tristeza, raiva... Mas é possível mudar nossa atitude e com isso preservar o espírito e manter a harmonia interna.
A saúde, entendida deste modo, não é somente não ficar doente. É também ter a capacidade de ficar doente e se recuperar, ou seja, recuperar o equilíbrio energético, de modo que os sintomas desapareçam.

Tratando pessoas
Deste modo, na Medicina Tradicional Chinesa, não se tratam “doenças”. Acima de tudo se tratam “doentes”: organismos que por algum motivo estão “fora do eixo”, e precisam buscar um novo ponto de equilíbrio. Para isso é necessário não apenas eliminar os sintomas, mas entendê-los, escutá-los com atenção e tomar a responsabilidade de efetuar mudanças na vida cotidiana.
Pequenos ajustes podem fazer grandes diferenças, e estas medidas são sempre individuais. Não existem fórmulas mágicas e receitas gerais: “A mesma resposta não é necessariamente verdadeira em todas as situações. A verdade da vida é sempre mutante” (Tsai Chih Chung).
Oscilar é natural num mundo em constante mutação. O ser que não oscila, não é saudável. É importante que cada pessoa encontre o seu próprio ritmo.

2 comentários:

  1. olá,
    tenho uma duvida que muito me intriga: como a medicina chinesa seria aplica em pessoas que vivem em meios degradantes como favelas, paises subdesenvolvidos como os do continente africano?
    Sou calura em psicologia e nao entendo como um doente poveniente de um meio altmente estssante como africa, favelas, encontraria o eqilibrio interno e assim evitaria doenças.. estarei aguardando o esclarecimento, obrigada
    danielli.

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  2. Danielli, existem 4 fatores que em MTC são considerados geradores de desequilíbrios: fator constitucional do paciente, fator emocional, fator ambiental e fator dietético. Com base nisto é possível entender que trabalhar com comunidades extremamente carentes é bastante difícil, pois a qualidade de vida dessas pessoas influi drasticamente no aparecimento dos desequilíbrios. É lógico que as pessoas desenvolvem defesas de acordo com a exposição aos fatores patogênicos, mas há um limite para isso e em certos momentos o organismo pode sucumbir. No caso de uma população subdesenvolvida, como vc diz, a acupuntura pode ajudar muito potencializando os fatores internos que aumentam a resistência do organismo. Mas é necessário, sim, ter uma condura mais ampla no sentido de melhorar a qualidade de vida dessas populações em todos os sentidos (meio ambiente, relações emocionais e fatores dietéticos). Só o fato de a MTC ser uma medicina extremamente barata e popular, que não depende de recursos caros e alta tecnologia, já facilita e muito a inserção dessa prática em comunidades carentes.
    Att, Analyce

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