quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Ninguém pode saber tudo, e nem precisa


É espantosa essa discussão em torno da acupuntura e dos profissionais (médicos ou de outras classes) que defendem a exclusividade na sua prática, como se fossem os únicos capazes de fazê-la com responsabilidade. A acupuntura enquanto técnica faz parte de uma tradição muito antiga, que tem sua própria linguagem e seus significados, sua patologia, anatomia e tratamento radicalmente diferentes do pensamento médico ocidental.  É uma outra racionalidade médica, muito anterior à medicina ocidental e independente desta, e que exige por sua vez muitos anos de estudo e de prática específicos.
O argumento mais comum é de que o acupunturista não-médico deixaria passar despercebidas várias coisas que poderiam ser vistas por um médico ocidental. Mas é óbvio que isso é verdadeiro, assim como o médico ocidental deixa de ver coisas importantes que poderiam ser vistas pelos dentistas, o psicólogo deixa de ver várias coisas que poderiam ser vistas pelo fisioterapeutas, o dentista deixa de ver coisas que poderiam ser identificadas pelos nutricionistas, e assim por diante. E, por sua vez, os profissionais de formação e mentalidade ocidental deixam passar informações que poderiam ser de importância para um acupunturista tradicional, com uma formação e mentalidade radicalmente diferente, na sua tarefa de minimizar o sofrimento humano. Aí reside a especificidade e a limitação de cada campo do conhecimento.
Mas não há problema nisso, porque para minimizar estas falhas existem as equipes multidisciplinares, para isso existem trocas, para isso existem encaminhamentos, para isso existe respeito interdisciplinar. O psicólogo acupunturista encaminha para o médico quando percebe que há tempo seu cliente não faz exames ou um check-up; o fisioterapeuta acupunturista encaminha para o odontólogo quando percebe que o paciente com dor na articulação mandibular há tempo não visita o dentista; o farmacêutico acupunturista encaminha para o psicólogo quando percebe que o dano físico pode ter raízes emocionais; o médico ocidental encaminha para o acupunturista tradicional quando percebe que há tempo suas técnicas e medicamentos não mais beneficiam, e assim por diante.
Ninguém pode saber tudo sobre tudo.  E aquele que pouco sabe de tudo, nada sabe de nada. Por isso temos que ser humildes em nosso saber e em nossa prática, conhecer as limitações de nosso campo de conhecimento e principalmente trocar, interagir, estar aberto para poder dialogar com colegas que desejam todos um objetivo comum, proporcionar saúde e bem estar a quem os procura. E isso vale para todas as profissões. Neste momento não há lugar para brigas ou picuinhas, ninguém é mais do que ninguém. Se eu não sei, o colega pode saber, então encaminho. Se não tenho certeza, checo. E nenhum  profissional pode ser completo diante da imensidão das possibilidades de cuidados em saúde, pois nenhuma ciência dá conta da diversidade e da complexidade do ser humano e dos processos da vida. Assim acredito que ninguém pode ter a pretensão de saber tudo, e nem precisa. Sejamos responsáveis e honestos em nosso saber, façamos tudo o que pudermos, e deixemos aos colegas o que cada um sabe fazer de melhor, respeitando seu direito e sua prática, e reconhecendo a sua importância.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Promovendo Saúde e Relaxamento Durante as Quatro Estações

VERÃO
Gao Lian, Séc. XVI

Os três meses do verão são governados pela energia do fogo, e por isso se encarregam do processo de crescimento e maturação. O qi do coração é abundante de energia de fogo, e está associado ao sabor amargo. De acordo com as relações do ciclo de controle entre as cinco fases da energia, fogo agride metal; a energia de metal governa os pulmões, e o sabor associado ao pulmão é o picante. Durante o verão, por isso, deve-se diminuir os alimentos amargos e aumentar os alimentos picantes para se nutrir os pulmões. Ao mesmo tempo, deve-se usar o som “haaaa” para mobilizar o qi estagnante do coração, e “shhhhh” para harmonizar seu fluxo.
(...) O coração é exuberante durante os meses de verão, mas os rins encontram-se em seu estado mais fraco. Apesar do calor, no entanto, seria impróprio preencher o estômago com petiscos congelados, bebidas frias ou cereais frios. (...) Sob tais circunstâncias, não se alimente de berinjela, vegetais crus ou outros alimentos excessivamente yin, visto que em tal circunstância já existe uma grande quantidade de yin qi presente no abdômen, e a ingestão de alimentos coagulantes como esses podem promover a formação de massas abdominais. Idosos, em particular, e pessoas com tendência a formação de fleuma-calor que se devem na verdade à sua constituição fria, devem se conformar com tais princípios e evitar tais alimentos.
Pela mesma razão, não busque o alívio do calor do verão em locais com corrente de vento e muito cheios. Embora possa encontrar um resfriamento temporário sob um abrigo, são em corredores, em jardins externos ou próximo de janelas quebradas que os ventos nocivos podem mais facilmente invadir o corpo. Busque a tranqüilidade de uma sala ampla e vazia, ou a energia yin pura de uma fonte de água para alcançar um estado natural de resfriamento.
Mais importante ainda, regule sua respiração e acalme seu coração. Tenha em mente que segurar cristais de gelo próximos de seu coração e estômago farão com que o fogo ascenda, ao invés de diminuí-lo. Não presuma que coisas quentes aquecem e por isso irão alimentar um calor já abundante. Mais do que isso, crie o hábito de tomar regularmente tônicos que aquecem em forma de pílulas ou pó durante os meses do verão, de forma que se garanta um fluxo suave do qi. Beba líquidos mornos e alimente-se de alimentos quentes; nunca se alimente até o limite, mas coma porções menores em intervalos mais curtos. Beba chá de canela, cozinhe com cardamomo, utilize água fervida ao invés de água fresca, e evite pratos gordurosos.
Também, evite dormir sob a luz de estrelas e da lua, pois caso acampe em lugares abertos, estará propenso à invasão de vento. Embora você possa sentir uma certa euforia inicial. O vento irá certamente fazer o seu caminho através de seus poros. (...) Alguém, por exemplo, que ingere alimentos frios e então descansa seu corpo suado em um local com corrente de vento irá facilmente contrair a síndrome de bloqueio do vento (...) Visto que a cabeça é o ponto de encontro de todos os canais yang, um cuidado especial deve ser tomado para protegê-la da influência nociva do vento. Todas as pequenas rachaduras na parede de seu quarto devem ser remendadas, para prevenir agressões à cabeça. Além disso, penteie seus cabelos 100~200 vezes por dia durante os meses de verão, tomando cuidado para não ferir o couro cabeludo e escolher um local livre de correntes. Este é um método natural para se eliminar o vento e dar mais brilho aos olhos.
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Introduzido e traduzido por Heiner Fruehauf
Versão em Português: Paulo Henrique Pereira Gonçalves
Supervisão e Revisão : Ephraim Ferreira Medeiros
Site original: www.medicinachinesaclassica