quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Qi: influências

Uma das noções que parecem mais místicas e de difícil entendimento, dentro da medicina chinesa, é a noção de Qi (ou T'Chi). Frequentemente traduzido como "Energia", essa palavra causa estranhamento à mente ocidental, remetendo a conceitos que em nada tem a ver com o verdadeiro sentido da palavra.

Ao pensarmos em Energia com nossas mentes ocidentais logo lembramos das aulas de física, e nossos cérebros acostumados às noções mecanicistas já pensam em elétrons correndo, em energia potencial e cinética, e inúmeras outras conceituações que nos possibilitem apreender o conceito. Tudo em vão. Eu tenho me deparado com inúmeras turmas de alunos de especialização em acupuntura, e a idéia de Qi, ou energia, sempre parece à primeira vista, e às vezes durante muito tempo, impenetrável.

Partindo do fato de que os ideogramas chineses são imagens, e que "uma imagem fala mais que mil palavras", os tradutores do chinês para as línguas ocidentais geralmente perdem boa parte de sua significação e das múltiplas relações entre os conjuntos de sentidos contidos em um termo. Pois no caso dos ideogramas o todo sempre é maior que a soma das partes. No entanto, em leituras recentes, percebo que os sinólogos encarregados de traduzir a língua chinesa para o ocidente finalmente tem chegado a um consenso sobre a melhor palavra para se traduzir a noção de Qi: Influências.

Quando pensamos em Qi como Influência, e não como Energia, um diferente horizonte se abre para nós. Imagine uma pessoa num local bonito, um parque com lagos e salgueiros chorões... ela chega com uma determinada influência, ela talvez esteja abatida, triste.. uma outra pessoa que esteja em sua companhia sente essa influência, a emanação do seu Qi. Após um tempo no parque, as influências do ambiente mudam o estado dessa pessoa... a cor verde, os odores, os sons, toda a influência (Qi) do ambiente faz com que essa pessoa saia do lugar com uma sensação melhor.

Estão nessas influências do parque todas as frequências que constumamos enquadrar dentro dos 5 Movimentos... a cores, os odores, as notas musicais, o clima, etc... Porque tudo serve como uma medida de transformação (ou seja, influencia): tudo é Qi. Essa pessoa que entrou no parque de uma determinada forma imediatamente sofre a influência desses local, e sai do parque transmitindo por sua vez outra influência para a pessoa que está em sua companhia e para todas as outras que encontrar: "Nossa, parece que você está se sentindo muito melhor agora, você emana uma energia diferente...", ou seja, a pessoa agora transmite uma influência diferente. E neste caso nem foram usadas agulhas para mobilizar o Qi.

Quando falamos especificamente em medicina chinesa, por exemplo em suas síndromes, podemos pensar também no Qi como Influência. Imagine uma Síndrome de Estancamento de Qi do Fígado (Gan Qi Yü), poderíamos tranquilamente traduzí-la como uma síndrome de "Estancamento da Influência do Fígado". Significa que a Influência do Fígado sobre todo o sistema humano está prejudicada, ou seja, ele não influencia como deveria na drenagem, no livre fluir das emoções, no equilíbrio dos Cinco Movimentos. É preciso reabilitar essa influência para que todos os sistemas recuperem a harmonia.

Quando se coloca uma agulha em um paciente, dizemos que iremos mobilizar o Qi, ou seja, iremos influenciar de alguma forma para que este sistema se harmonize. E aí é importante destacar que não é a técnica, mas todo o contexto da técnica que faz a influência, e também a pessoa do terapeuta.

Se você faz acupuntura em uma sala branca, sem adornos nas paredes, isso tem uma determinada influência, isso mobiliza certos aspectos da pessoa atendida. Coloque uma vela em um canto... ou um aromatizador cheirando a lavanda, ou uma luz vermelha no teto... você já mudou totalmente a influência deste mesmo local. Mas não é tão fácil pensar que a energia da cor vermelha, e do odor, caminhou (como elétrons) até a pessoa... no entanto parece mais fácil entender o sentido de que essa conjunção de fatores gerou uma determinada influência diferente da anterior, e causou algum efeito. Nós conseguimos intuitivamente compreender isso.

A pessoa do terapeuta, neste caso, tem que ser levada muito em consideração. O terapeuta acupunturista é aquele que, de posse do conhecimento das influências, é capaz de combiná-las da forma correta para beneficiar o paciente. E neste sentido ele mesmo deve ter consciência que sua própria presença é uma influência, seu estado de espírito, sua qualidade. Então, não basta ter uma boa técnica, não basta ler os livros... é preciso trabalho interior e é necessário se ter consciência plena disso. Que influência você está transmitindo?

Assim, a experiência nunca pode ser substituída pelos livros. O que você é como pessoa causa uma influência única e particular. Por isso, na minha opinião, um bom acupunturista deve ser mestre não apenas no domínio de canais e pontos e agulhas, mas no domínio do seu interior. É preciso começar a curar pelo espírito, diziam os clássicos. Então todo trabalho que o acupunturista faça para ter mais consciência e domínio das suas próprias influências, pode ser usado na modificação do paciente. Você muda, sua influência muda... você muda o ambiente, mudam as influências, muda o Qi. Por isso os verdadeiros mestres agem sem agir, transmitem conhecimento sem ensinar.

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