sábado, 27 de novembro de 2010

Origens da desarmonia: tempo de tempestade (ou quando a causa não é a causa)

Tradução livre de:
KAPTCHUK, Ted. J. The web that has no weaver: understanding chinese medicine. McGraw-Hill: New York, 2000.
(Capítulo 5: Origins of Disharmony: stormy weather, or when a cause is not a cause).


As idéias chinesas representam uma diferente maneira de detectar e organizar informação sobre saúde e doença. A medicina e a filosofia chinesa não se preocupam muito com “causa e efeito”, ou com o fato de tentar descobrir uma causa que implica posteriormente num determinado efeito. Sua preocupação é com relacionamentos, com o padrão dos eventos, então a sua idéia sobre como se inicia uma doença é muito diferente da visão ocidental.
De fato, os chineses não têm uma teoria altamente desenvolvida sobre as origens das doenças. Eles levam em consideração certos fatores que afetam uma pessoa, fatores que poderiam ser descritos na visão ocidental como “causas”. No entanto para os chineses estas influências generativas não são exatamente “causas”.
Vamos tomar como exemplo a Umidade. Na China, assim como no ocidente, as pessoas poderiam dizer que alguém ficou doente porque saiu na chuva, ou porque mora numa casa em terreno úmido. No entanto, para os chineses a Umidade somente gera um padrão de Umidade, não há distinção entre a doença em si e o fator que a gerou. Desta forma, a palavra “causa” é quase sinônimo de “efeito”. No pensamento chinês baseado em padrões tanto a causa, o processo e o resultado se mesclam.
Porém, quando um terapeuta praticante de medicina chinesa é questionado sobre: “Por que existe desarmonia?”, menciona pelo menos três categorias de fatores precipitadores. Estes são: ambiente, resposta emocional e estilo de vida. Os mais inexperientes podem entender estes fatores como “causas”, entender que Umidade cause doenças nas pessoas e desta forma sugerir que usem um casaco, ou se mudem de residência. Mas, numa mais refinada e precisa maneira de fazer medicina chinesa, o terapeuta vai em princípio perceber que a casa úmida é um fato simples, uma peça de informação, um sinal a ser considerado juntamente com outros sinais. Ele até poderá aconselhar o paciente a se mudar, mas este conselho deverá ter validade dentro da configuração total de sintomas apresentados pelo paciente – incluindo cor da face, pulso, língua, situação emocional e assim por diante. O terapeuta irá olhar a Umidade como um elemento de um padrão, uma parte da pintura. Outras pessoas vivendo numa casa úmida poderiam não ficar doentes, portanto, algo está acontecendo para tornar especificamente este paciente sensível.
O olhar do terapeuta vai procurar o arranjo de todos os sintomas. Se o paciente não pode se mudar de casa, o terapeuta vai tentar reequilibrá-lo para eliminar a sensibilidade à Umidade. E mesmo que o paciente possa se mudar, ainda assim deverá lidar com o padrão interno de suscetibilidade à Umidade. A Medicina Chinesa se recusará, portanto, a ver a Umidade como uma entidade causadora isolada.
A quantidade de atenção dada a essas relações leva-nos a entender a maneira como os terapeutas chineses entendem a Umidade: como um padrão tanto individual como universal. Umidade, desta forma, é um padrão de qualidades e eventos que se transformam numa representação emblemática. A pessoa é um microcosmo no macrocosmo, manifestando a mesma configuração de sinais que apresenta o macrocosmo. No ambiente a Umidade é molhada, pesada, pegajosa. No corpo a Umidade torna a pessoa pesada, lenta, inchada. Se um paciente tem um padrão interno de Umidade, pode manifestar este sintoma sem nunca ter se exposto a nem uma gota de umidade ambiental externa.
A condição não é causada pela Umidade; a condição “é” Umidade. A causa é o efeito; a linha é um círculo. O terapeuta vê o corpo como uma forma em miniatura da imagem natural geral, e porque os padrões da natureza e do corpo são iguais eles compartilham uma identidade, uma ressonância equivalente.
Na resposta à pergunta: “Por que as pessoas ficam doentes?” o terapeuta chinês pode responder que os fatores precipitadores em uma das três categorias – ambiente, emoção e estilo de vida – geraram enfermidade. Mas embora um ou mais destes fatores possam estar presentes, este fator nunca é visto como separado da doença, ele se torna uma parte integrante da complexa rede de sinais e sintomas que o terapeuta em medicina chinesa combina dentro do diagnóstico.
Quando um paciente apresenta uma Influência Interna Perniciosa que tem o nome de uma condição atmosférica que está fora de controle, isso é uma representação metafórica de “mau tempo” que persiste dentro do microcosmo humano. O clima desarmônico implica que o equilíbrio Yin-Yang foi rompido ou distorcido. Este rótulo quer dizer que a vida cotidiana de um ser humano e um particular tipo de clima manifestam semelhantes qualidades, ou seja, compartilham de uma ressonância de Qi.